Ao longo da minha trajetória em projetos — sejam eles industriais, de tecnologia ou institucionais — uma das lições mais profundas que aprendi é esta: a maneira como falamos com as pessoas define o que elas acreditam ser possível.
Sim, claro, frameworks, cronogramas, riscos e entregáveis importam. Mas quem move tudo isso são pessoas. E quando você está diante de alguém que vai executar uma tarefa, liderar um time ou tomar uma decisão sob pressão, a sua fala tem o poder de ativar o melhor ou o pior dessa pessoa.
Durante anos, vi líderes bem-intencionados, inclusive eu próprio em momentos mais jovens da carreira, começarem reuniões ou delegações com frases como:
“Isso aqui vai ser muito difícil…” “Olha, é um desafio enorme, não sei se vamos conseguir…” “Já tentamos isso antes e deu problema…”
A intenção? Preparar. A consequência? Contaminar.
O viés da dificuldade anunciada
A neurociência hoje nos mostra que a antecipação de um problema já desencadeia no cérebro os circuitos de ameaça. A amígdala cerebral entra em estado de alerta, o que por sua vez inibe a ação do córtex pré-frontal — área responsável por decisões estratégicas e pensamento flexível. Ou seja: ao tentar proteger a equipe com um “alerta de dificuldade”, podemos, na prática, diminuir a capacidade cognitiva e emocional necessária para enfrentar essa mesma dificuldade.
Na gestão de projetos, onde o tempo e a confiança são ativos escassos, isso é um desperdício silencioso.
As palavras como âncoras
Aprendi também que a primeira descrição de uma tarefa funciona como uma âncora psicológica. Ao dizer que algo será complicado antes mesmo de a pessoa tentar, você estabelece um “teto imaginário” de desempenho. E uma vez que essa âncora é fixada, torna-se difícil superá-la, mesmo que a realidade da tarefa seja mais simples do que o previsto.
A mente humana não age como um computador lógico. Ela responde a estímulos, interpreta sinais e carrega memórias emocionais. Projetos não falham apenas por questões técnicas. Eles afundam quando as pessoas deixam de acreditar.
Lições de campo
A confiança é construída na forma como o desafio é apresentado. Quando comunico uma nova etapa, uma mudança ou uma entrega exigente, busco sempre substituir o foco na dificuldade por uma abordagem mais neutra e possibilitadora:
Ao invés de: “Isso será muito difícil.” Digo: “Vamos observar o que a tarefa exige e ajustar conforme aprendemos.”
Ao invés de: “Você tem certeza que vai dar conta?” Digo: “Conte comigo para o que precisar durante essa execução.”
Ao invés de: “Já tentaram e falharam.” Digo: “Temos a oportunidade de fazer diferente e construir outra resposta.”
E isso não é suavizar a realidade. É deixar espaço para que a realidade se revele com protagonismo, e não com medo.
A cultura nasce da linguagem
Outra coisa que aprendi lidando com pessoas em projetos: a linguagem constrói cultura de projeto. O modo como o líder se expressa define se o ambiente será de tentativa ou de retração, de aprendizagem ou de evitação de riscos. Amy Edmondson (2019) descreve isso com maestria ao falar de “segurança psicológica”. Equipes não ousam quando sentem que errar será punido. E ousar é parte essencial de qualquer projeto bem-sucedido.
Liderar é colocar potencial em movimento
Mais do que dar ordens, liderar projetos é criar condições para que o potencial das pessoas se manifeste. E o potencial precisa de encorajamento. Por isso, uma das minhas regras hoje é clara: não enfatize a dificuldade de uma tarefa antes que ela tenha sido experienciada. Deixe que a prática informe. E esteja ao lado, não acima.
Não se trata de fingir que não há problemas. Mas de reconhecer que as pessoas aprendem melhor quando têm espaço para explorar, e não quando recebem um rótulo paralisante.
Para concluir...
O que aprendi lidando com pessoas em projetos é que a comunicação de um líder pode abrir portas ou criar muros invisíveis. Cada palavra é uma escolha. E essa escolha tem efeitos reais sobre o comportamento, o engajamento e o resultado.
Se você quer que seu projeto avance, comece observando a linguagem com que você o apresenta. Porque, muitas vezes, não é a tarefa que paralisa — é o modo como a descrevemos.
Para saber mais:
Kahneman, Daniel. (2012). Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar.
Lieberman, M. D., & Eisenberger, N. I. (2009). Pains and Pleasures of Social Life.
Edmondson, A. (2019). The Fearless Organization: Creating Psychological Safety in the Workplace for Learning, Innovation, and Growth.
Deci, E. L., & Ryan, R. M. (2000). Self-Determination Theory and the Facilitation of Intrinsic Motivation, Social Development, and Well-Being.
Goleman, Daniel. (2013). Foco: A atenção e seu papel fundamental para o sucesso.
Dweck, Carol. S. (2017). Mindset: A Nova Psicologia do Sucesso.